A atmosfera de crescimento mais acelerado e retomado do pós-pandemia tem dado lugar a um mercado mais apreensivo. Inflação em alta, endividamento familiar crescente e novas políticas tem sido motivo de preocupação em relação à economia brasileira. No cenário mundial, a interminável guerra da Ucrânia, as demissões em massa proporcionadas pelas Big Techs e a mais recente falência de bancos americanos, como o Sillicon Valley Bank (SBV), que fechou as portas em apenas 48 horas, são outros ingredientes que influenciam o sentimento de incerteza e preocupam as previsões econômicas.
Diante desse cenário, a confiança atinge baixos níveis. Segundo dados da FecomercioSP, em fevereiro deste ano a confiança dos comerciantes paulista retraiu 1,4%. Já o Índice de Confiança da Indústria (ICI), do FGV IBRE, caiu 1,1 ponto no mesmo mês, registrando o menor nível desde o auge da pandemia.
Qual a mensagem de tudo isso para o empreendedor? 2023 será mais um ano desafiador, no qual será necessário buscar entender diariamente os cenários macro e microeconômicos que envolvem a empresa, compreender as variáveis das previsões econômicas, criar novas estratégias e saber investir no que, de fato, trará bons resultados para o negócio.
Jayme Vasconcellos, economista da Eagles Consultoria e com atuação na FecomércioSP, afirma que 2023 será um ano “estranho”. “Alguns fenômenos posteriores a pandemia já estão ultrapassando o período de retomada, de contra-ataque. Na pandemia tivemos uma série de restrições, avanço do e-commerce e da digitalização, mas o ‘boom’ após a grande queda já passou. Então este ano é de estabilização. O setor de serviços, por exemplo, que foi muito impactado pela pandemia, teve crescimento ascendente em 2021 e agora está estabilizando. É um ano estranho porque estamos deixando para trás um crescimento de base fraca de comparação, e para o Brasil, o estável é estranho”, afirma.
Para o empreendedor, essa estabilização pode assustar. Afinal, a falta de crescimento preocupa e, dentro de um cenário ainda de crise, sabe-se que muitas empresas que não agirem diante das previsões econômicas e mercadológicas poderão ficar pelo meio do caminho. Com isso, a Mango Tree, coworking localizado no centro de São Paulo, conversou com Jayme Vasconcellos para entender os desafios e oportunidades atuais para os empreendedores.
Análise de cenários deve ser rotina
As mudanças estão cada vez mais rápidas e as disrupções mais frequentes. Não à toa o mundo é chamado de BANI, uma sigla que, em português, traz as características frágil, ansioso, não-linear e incompreensível. Parafraseando Lulu Santos, “Tudo que a gente vê não é igual ao que a gente viu a um segundo. Tudo muda o tempo todo no mundo”. Por isso, o empreendedor tem a obrigação de estar sempre fazendo análises de cenários.
“O que a gente lia de cenário por mês ou por semana passa a ser por hora ou por dia. Não há como se localizar no mercado sem avaliar cenários: da própria empresa, ou seja, fornecedores, clientes, colaboradores; setoriais, do ponto de vista da concorrência e da localidade; e da macroeconomia. É impossível num ambiente de absorção e avanço tecnológico tão ligeiros, deixarmos de ler cenários”, alerta Jayme Vasconcellos.
Para o especialista, a leitura de cenários bem-feita e a capacidade de absorver informações a partir dela, facilitam que uma empresa tenha mais produtividade operacional. Isso traz uma resiliência e aumenta a capacidade de sobreviver e crescer diante de cenários adversos. Como afirma Jayme: “É na crise que os sobreviventes crescem, e quem sobrevive é quem é mais produtivo”.
Os desafios para empreendedores
Além de analisar cenários diariamente e compreender previsões econômicas, que por si só já são grandes desafios para o empreendedor, Jayme ainda destaca alguns pontos de atenção para o empreendedor brasileiro. Entre eles estão:
Aumento da inadimplência
Os patamares de endividamento e inadimplência das famílias estão cada vez mais altos. Em 2022, o endividamento atingiu 77,9% das famílias brasileiras. O dado divulgado pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) representa um recorde da série iniciada em 2010. Além disso, 28,9% dessas famílias estão inadimplentes, ou seja, com as dívidas em atraso.
“A grande base da geração de riqueza do Brasil vem pelo consumo das famílias, que representa 67% do PIB. Isso é determinado pela renda, pelo crédito e pelo poder de compra das famílias. Hoje, o crédito está encarecido, a inflação é persistente e a geração de emprego caiu. Isso impacta negativamente o consumo. Juntando ao aumento das dívidas e da inadimplência, o cenário é um grande freio ao consumo. Por isso, a expectativa do nosso crescimento econômico com país é de menos de 1%”, explica Jayme Vasconcellos.
Para as empresas isso significa a necessidade de avaliar a qualidade de pagamento dos clientes. Afinal, as chances de não recebimento pelo serviço prestado ou produto vendido estão maiores. Além disso, o cuidado com o capital de giro deve ser ainda maior – um bom nível de liquidez se torna ainda mais importante para previsões econômicas e conseguir lidar com imprevistos.
Estratégias de distribuição
As cadeias de suprimento ao redor do mundo sofreram rupturas durante a pandemia e devido às crises que se espalham ao redor do mundo. Com a guerra na Ucrânia, por exemplo, o fornecimento do gás neon, item essencial para a fabricação de chips semicondutores usados na fabricação de eletrodomésticos, celulares e automóveis, foi interrompido. Isso impactou em indústrias, nas vendas e no preço do produto final. Outro exemplo foi a escassez de máscaras durante um período da pandemia porque a produção concentrada na China não deu conta da demanda.
O cenário pode levar ao empreendedor a querer estocar para garantir a entrega. Mas Jayme Vasconcellos alerta: não é momento para isso. “Em um ano de vendas mais fracas, possibilidade de problema com clientela, não há como manter grandes níveis de estoques. Porque mobilizar muito capital significa perder capital de giro e, nesse momento, pode ser muito arriscado.”
Assim, buscar entender o comportamento de consumo dos clientes, prevendo demandas e realizando parcerias com fornecedores rápidos e consolidados se mostra como caminho.
Inflação e pricing
O aumento da inflação elevou o custo final para um consumidor que está mais endividado e cortando gastos onde pode. “O empresário é amassado dos dois lados. Pelo consumidor que diminui o consumo por causa dos preços mais altos e pela cadeia de fornecimento, que oferece produtos cada vez mais caros. Assim, o empreendedor precisa decidir o quanto isso vai impactar a sua margem ou se todos os custos maiores serão integralizados no preço final e vai ter que arcar com uma demanda mais fraca”, diz Vasconcellos.
Para o economista, em 2023, mais do que o cuidado na forma de formar a margem, a relação com o fornecedor ganha em importância. Com demanda mais fraca e necessidade de boa liquidez, o cuidado para distinguir melhor a margem e conseguir mais prazo para pagamento junto ao fornecedor se mostra como caminho de diferenciação.
Assista ao vídeo abaixo, gravado no coworking Mango Tree, na República, em São Paulo, para entender as previsões econômicas em maiores detalhes, bem como saber quais caminhos seguir no ano “estranho” de 2023.